Definição:

Infecção causada pela bactéria Salmonella que pode ser transmitida por alimentos contaminados e em casos raros, pode provocar graves infecções e até mesmo a morte.
Microbiologia:
– Agente etiológico: Salmonella spp.
É um bacilo Gram negativo, não capsulado, anaeróbio e intracelular facultativo, que pertence à ordem das Enterobacterales, e inclui duas espécies: Salmonella bongori, que infecta quase estritamente animais ectotérmicos, e Salmonella enterica, grande responsável por infecções em humanos.
A S. enterica subdividida em dois sorovars: em tifoide, que causam as febres tifoide e paratifoide, e não tifoide, que tipicamente ocasionam diarreia aguda. Os sorovars não tifoide infectam humanos e animais domésticos e selvagens, e podem causar infecção cruzada entre espécies, enquanto os sorovars tifoide são infectantes exclusivamente de humanos.

Epidemiologia:
A salmonelose não tifoide é uma das principais causas de gastroenterite e enterocolite no mundo, e está associada a aproximadamente 150 milhões de casos de diarreia aguda e 60.000 mortes anualmente. Contudo, por não se tratar de uma doença de notificação compulsória no Brasil, a coleta de informações da incidência desta doença é prejudicada. Alguns grupos apresentam risco para a aquisição da diarreia aguda causada pela Salmonella spp. como viajantes.

Por outro lado, a salmonelose tifoide ainda é causa de óbitos em todas as regiões brasileiras, sendo a sua fatalidade crescente e potencializada em indivíduos idosos (> 60 anos). Em geral, a infecção por Salmonella spp. é mais comum em crianças com menos de 1 ano de idade. Quando presente em adultos, geralmente o indivíduo apresenta história de uso crônico de corticoide, malignidade ou imunodeficiência.
Transmissão:

A transmissão geralmente ocorre a partir da ingestão de água e de alimentos contaminados, malcozidos ou não higienizados. Outros comportamentos de risco para infecção são o contato direto com animais silvestres e domesticados infectados, ou o contato com as fezes de pessoas infectadas. Dentre os alimentos, ovos e carnes são as fontes mais importantes, mas também há a veiculação de Salmonella em frutas, vegetais e lacticínios. Vale lembrar que anfíbios, répteis e insetos também podem ser reservatórios.
Fisiopatologia
Enquanto a Salmonella sorovar não tifoide causa tipicamente quadros de gastroenterite ou enterocolite, o sorovar tifoide ocasiona doença sistêmica a partir do uso de fatores de virulência importantes no desenvolvimento da doença e dos sintomas característicos.
→ Antígeno Vi: É uma cápsula polissacarídica que previne a fagocitose e a destruição por células imunes.
→ Toxina tifoide: Produzida quando a bactéria é secretada do meio intracelular para o extracelular, através de vesículas. Essa toxina reduz a quantidade de neutrófilos circulantes, e causa letargia e outras complicações neurológicas.
→ Flagelo: Responsável tanto pela motilidade bacteriana, quanto pelo sistema de secreção tipo III, que permite o processo de fixação e inserção da bactéria em células não fagocitárias do hospedeiro.
A partir do uso desses fatores de virulência, a S. enterica consegue penetrar o epitélio intestinal através das células M. Após atravessar o epitélio intestinal, provoca um influxo massivo de neutrófilos no intestino, resultando em diarreia inflamatória.
As cepas tifoides têm a capacidade escapar da resposta imune na mucosa intestinal e progridem para uma infecção sistêmica, com inicial colonização dos tecidos linfoides submucosos, depois o fígado, baço e medula óssea.
Quadro clínico:

-> Salmonella não tifoide é constituído por:
Diarreia aguda, febre, cólicas abdominais, mialgia, cefaleia, vômitos, calafrios,
-> Salmonella tifoide inclui: Febre, cefaleia, mal-estar, letargia, dor abdominal, hepatoesplenomegalia, dactilite e erupções cutâneas eritematosas maculopapulares, conhecidas como “rose spots” (imagem abaixo).

A infecção por Salmonella pode envolver também bacteremia, mais comum em pacientes menores de 1 ano e imunocomprometidos, além de outras infecções focais, como osteomielite, meningite e infecções do trato urinário. Curiosamente, a constipação pode ser um dos sintomas precoces. Diarreia sanguinolenta pode ocorrer em uma menor parte dos pacientes com febre tifoide. Pode-se observar ainda relativa bradicardia frente às temperaturas elevadas do quadro febril agudo. Apresentações mais severas podem evoluir para sepse, choque e alteração do estado mental secundário a meningite. De forma menos comum, alguns indivíduos podem não manifestar sintomas, tornando-se portadores crônicos da Salmonella enterica, especialmente dos sorovars typhi e paratyphi. Para que seja considerado portador crônico, é necessário que elimine a bactéria nas fezes por pelo menos 1 ano.
Diagnóstico:
Deve-se manter um nível de suspeição diante da história de um paciente com diarreia aguda e história de viagens a locais endêmicos, que tenham consumido comidas preparadas por pessoas com gastroenterite.
O diagnóstico é realizado através de cultura, com espécimes obtidos em sítios da infecção, como abcessos, sangue, líquor, fezes e urina. Sob suspeita de febre tifoide, culturas da medula óssea e fluido duodenal podem auxiliar no diagnóstico. Atualmente, alguns laboratórios já utilizam a pesquisa de DNA da Salmonella através da reação em cadeia da polimerase (PCR), porém, este é um método que ainda não está amplamente disponível.

Diagnósticos diferenciais:
– Gastroenterites agudas;
– Infecções virais;
– Outras infecções bacterianas;
– Malária;
– Tuberculose;
– Brucelose;
– Leptospirose;
– Encefalite;
– Influenza;
– Dengue;
– Mononucleose infecciosa;
– Leishmaniose visceral; – Tularemia.
Tratamento:
O tratamento consiste em antibioticoterapia e medidas de suporte (Hidratação e correção de distúrbios hidroeletrolíticos).
Os antibióticos com ação contra as cepas não tifoides, estão sulfametoxazol-trimetoprim, fluoroquinolonas, azitromicina, cefalosporinas de 3ª geração e carbapenêmicos. Em casos de Salmonella não tifoide com bacteremia ou doença disseminada, a terapia inicial consiste em cefalosporinas de 3ª geração por 7 a 10 dias, e uma vez que a sensibilidade bacteriana for identificada pelo antibiograma, é possível fazer o descalonamento. Em casos de febre tifoide, o tratamento de escolha é a base de fluoroquinolonas, porém, sob suspeita de resistência é preferível iniciar o tratamento farmacológico com azitromicina ou cefalosporinas de 3ª geração, por 10 a 14 dias. Se existirem sintomas neurológicos, como delírio, estupor, obnubilação ou choque, deve ser associado um corticosteroide à terapia, como dexametasona. Para portadores crônicos da bactéria, a terapia com fluoroquinolonas por 4 semanas está indicada.

Complicações:
Algumas complicações podem acontecer em quadros de infecção causada por Salmonella. Dentre elas, a desidratação é uma entidade importante, principalmente em pessoas não tratadas. Além disso, em imunocomprometidos, pode haver infecção sistêmica envolvendo múltiplos órgãos, sepse, choque e até morte.
Em pacientes com a febre tifoide, complicações neurológicas podem existir, como delírio, psicoses, ataxia cerebelar aguda e síndrome de Guillain-Barré, além de complicações cardiovasculares, como miocardite e pericardite.
Profilaxia:
A prevenção da salmonelose inclui comer alimentos cozidos em condições e temperaturas apropriadas, e beber água tratada ou de fonte segura. Lavar as mãos frequentemente, especialmente após o contato com répteis e anfíbios. Além disso, pessoas com a doença devem evitar preparar comidas e lavar as mãos com regularidade, da forma apropriada.
Atualmente, já existem duas vacinas que oferecem proteção contra a Salmonella typhi, porém, são recomendadas apenas para pessoas de risco, como viajantes, pessoas que entraram em contato com indivíduos com febre tifoide, e profissionais com história de exposição.
A primeira vacina, Ty21a é administrada por via oral em pacientes com pelo menos 6 anos, em 4 doses.
A segunda vacina disponível, ViCPS, é administrada por via intramuscular a pacientes com pelo menos 6 anos, no mínimo 2 semanas após a exposição.
Artigo escrito por:

Ana Luiza Santos Melo
Referências bibliográficas
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